Todos nós somos hóspedes da vida. Não há
nenhum ser humano que saiba o significado da sua criação, excepto ao nível mais
primitivo e biológico. Não há nenhum homem nem nenhuma mulher que saiba qual é
o objectivo (se é que existe…), qual o significado possível de ter sido atirado
para o mistério da existência. Porque é que há algo em vez de nada? Porque é
que eu existo? Somos hóspedes deste pequeno planeta, de uma urdidura
infinitamente complexa, quiçá fortuita, de processos e mutações evolutivas que,
em inúmeros estádios, poderia ter seguido um outro curso ou testemunhado a
nossa extinção. Acabámos, aliás, por nos tornar hóspedes vândalos, produzindo
lixo, explorando e destruindo outras espécies e recursos. Estamos a transformar
rapidamente este ambiente extraordinariamente belo e intricadamente perfeito, e
inclusive o espaço sideral, numa lixeira venenosa. Há caixotes do lixo na Lua.
Por mais inspirado que seja o movimento ecológico que, juntamente com a
emergente percepção dos direitos das crianças e dos animais, é dos poucos
capítulos esclarecidos do nosso século, é bem possível que tenha vindo
demasiado tarde.
Todavia, este vândalo não deixa de ser
hóspede numa casa do ser que não construiu e cujo desígnio e arquitectura lhe
escapam. Agora temos que aprender a ser hóspedes uns dos outros naquilo que
resta desta terra sobrepovoada e degradada. As nossas guerras, as nossas
limpezas étnicas, os arsenais de massacre que prosperam mesmo nos estados mais
pobres, são territoriais. As ideologias e os ódios mútuos a que dão origem são
territórios da mente. Desde sempre os homens têm-se atacado uns aos outros por
causa de um pedaço de terra, sob diferentes trapos coloridos empunhados como
bandeiras, a propósito de ténues diferenças na língua e no dialecto.
George
Steiner, Errata, p.70-71
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