domingo, 26 de outubro de 2014

Corpos sem alma

Quando entrei naquele café estava desanimada com a vida. Estava sucumbida numa indefinição latente acerca do que sou. Coisa normal em mim. Quando entrei naquele café, naquela noite, estava longe de achar que te ia encontrar.
Vi-te ao longe e, de alguma forma, tive medo que te aproximasses. Como se soubesse à partida que não eras o homem da minha vida mas, ao mesmo tempo, podias ser um dos homens da minha história.
Toda a gente precisa de pessoas para existir e eu sabia, à partida, que te ia deixar entrar nesse limbo entre a necessidade e o desejo.
Também sabia que não haveria nada para além disso. Somos feitos de matérias diferentes, tu és pele e eu sou alma. E é tão fácil confundirmo-nos nas ruas deste mundo.
É tão fácil enganarmo-nos, se quisermos. 
E, naquela noite, eu queria. Enganar-me, confundir-me, divagar pelo mundo num abraço momentaneo. Porque às vezes, isso é tudo o que precisamos.
Acordar no dia seguinte sem saber muito bem onde estivemos mas com a certeza de que vivemos. 
Porque viver, muitas vezes, é apenas agarrar um momento que nos vire a vida do avesso.
Algo que nos abale as certezas, que nos crie novas dúvidas, que nos faça olhar para o mundo com os sentidos remexidos.
Quando entrei naquele café naquela noite, inconscientemente, eu queria encontrar-te.
Sabia, à partida, que seria um encontro desajustado mas, nesse momento, era tudo o que eu precisava.
O tempo passou e acho que ambos percebemos que é inevitável despedirmo-nos. 
Temos tudo o que dois corpos precisam, mas somos insuficientes enquanto almas. E quando assim é não há nada que possamos fazer para mudar o rumo do desapego.
Ficamos fartos de não conseguir chegar mais longe, de não conseguir perfurar a pele do outro. Ficamos fartos de não atingir orgasmos mentais.
E foi exactamente isso que aconteceu connosco. A espuma dos dias condenou-nos à superficialidade dos corpos o que, às vezes, é tudo o que precisamos.
E assim foi. O meu corpo encontrou a teu mas as nossas almas desencontraram-se na mesma medida. 
E nada disto é mau, nada disto cria sofrimento ou tristeza. Porque ambos sabíamos que nunca seríamos um do outro.
Nenhum de nós precisa de mais um corpo atado à vida.
Muito pelo contrário, ambos precisamos de um corpo livre para encontrar uma alma que lhe consiga tocar sem pele. 
Só assim algum encontro entre pessoas poderá durar mais que uma semana.
Porque embora hajam semanas em que tudo o que precisamos é de um corpo, uma vida não sobrevive sem outra alma.


TR