sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Conhece-te a ti mesmo


Quando alguém estuda filosofia, uma das primeiras coisas que aprende ou re-aprende é o famoso dito de Sócrates: conhece-te a ti mesmo. À primeira vista é mais uma daquelas frases que fica bem saber e que se deve empregar sempre que se conseguir, é um talismã, um amuleto. À segunda vista, o contemplado pela frase já pensa duas vezes no seu significado. À terceira vista, é confrontado com ela e vira-lhe as costas, há coisas mais importantes em que pensar do que uma frase que já adquiriu o estatuto de ditado ou provérbio. À quarta vista, as coisas continuam na mesma e o sentido parece um neon brilhante que ofusca qualquer pensamento. À quinta vista a frase já faz parte do núcleo de clichés que nenhum filósofo quer comentar. À sexta vista pensamos em Sócrates com admiração. À sétima vista a lucidez começa a chegar e finalmente começa a desenhar-se uma forma. À oitava vista desistimos e achamos que é uma frase de um poema como outra qualquer. À nona vista somos atingidos pela clarividência a que nos negamos constantemente anteriormente. À décima vista percebemos: basta olhar para o espelho e deixar de ver a imagem, entrar pelos olhos do ser que lá está, senti-lo pelo corpo todo, enfrentar o constrangimento e finalmente aceitar, este sou eu. A pele é só uma roupa feita de um tecido especial que dissimula o que está escondido em nós. Dispam-se, enfrentem-se, aceitem-se, e, principalmente, não queiram ser perfeitos. A perfeição, além de não existir, tolda o olhar. Não adianta negar os grandes defeitos que sabemos que temos, iludir-nos com qualidades que ultrapassam aquilo que sabemos que conseguimos. São enganos consecutivos a que nos podemos poupar, mas para isso é preciso coragem. Uma coragem imensa para enfrentar uns olhos que são nossos mas para os quais nunca olhamos verdadeiramente.

TR
27-10-2012