Quando alguém estuda filosofia, uma das primeiras coisas que
aprende ou re-aprende é o famoso dito de Sócrates: conhece-te a ti mesmo. À
primeira vista é mais uma daquelas frases que fica bem saber e que se deve
empregar sempre que se conseguir, é um talismã, um amuleto. À segunda vista, o
contemplado pela frase já pensa duas vezes no seu significado. À terceira
vista, é confrontado com ela e vira-lhe as costas, há coisas mais importantes
em que pensar do que uma frase que já adquiriu o estatuto de ditado ou
provérbio. À quarta vista, as coisas continuam na mesma e o sentido parece um
neon brilhante que ofusca qualquer pensamento. À quinta vista a frase já faz
parte do núcleo de clichés que nenhum filósofo quer comentar. À sexta vista
pensamos em Sócrates com admiração. À sétima vista a lucidez começa a chegar e
finalmente começa a desenhar-se uma forma. À oitava vista desistimos e achamos
que é uma frase de um poema como outra qualquer. À nona vista somos atingidos
pela clarividência a que nos negamos constantemente anteriormente. À décima
vista percebemos: basta olhar para o espelho e deixar de ver a imagem, entrar
pelos olhos do ser que lá está, senti-lo pelo corpo todo, enfrentar o
constrangimento e finalmente aceitar, este sou eu. A pele é só uma roupa feita
de um tecido especial que dissimula o que está escondido em nós. Dispam-se,
enfrentem-se, aceitem-se, e, principalmente, não queiram ser perfeitos. A
perfeição, além de não existir, tolda o olhar.
Não
adianta negar os grandes defeitos que sabemos que temos, iludir-nos com
qualidades que ultrapassam aquilo que sabemos que conseguimos. São enganos
consecutivos a que nos podemos poupar, mas para isso é preciso coragem. Uma
coragem imensa para enfrentar uns olhos que são nossos mas para os quais nunca
olhamos verdadeiramente.
27-10-2012