quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Quartos de papel

Eles não se conheciam fora daqueles quartos. Tudo para além daquelas quatro paredes onde eles habitavam juntos, era um conhecimento que os ultrapassava. Eles só conheciam os corpos um do outro. Só conheciam a familiaridade das peles quando se tocavam.
Ela não sabia mais nada dele e ele desconhecia todo o resto dela.
E talvez fosse isso que os juntava numa conexão de corpos que excedia todas as experiências anteriores. Eles não precisavam de mais nada um do outro, para além das bocas que se calavam em beijos que se mordiam.
Naquelas horas, o mundo todo era aquele instante, resumia-se ali.
O pensamento passava a morar na ponta dos dedos.
Ela adorava aquelas horas em que a mente adormecia na cama dos sentidos.
Achava até que era quando melhor descansava, mesmo que a manhã chegasse e o seu corpo não aguentasse o próprio peso.
Talvez fosse uma meditação que só ela experimentava, conseguia sair de si como em nenhuma outra altura, e achava que isso se devia ao facto de não saber nada dele para além de saber de cor o seu corpo.
Ele via nela uma mulher diferente de todas as outras. Ele partilhava com ela momentos que não conseguia descrever se lho pedissem, e adorava saber que ninguém lho ia pedir. Ela era só dele porque ninguém sabia que eles não eram desconhecidos. Ninguém sabia da existencia dela na sua vida. E embora quase nada soubesse dela conhecia-lhe os segredos do corpo e por vezes achava que lhe via a alma naquela nudez deles. Mas ela escondia-a logo a seguir. Esse era o medo dele. Que um dia confessasse sem querer a meio de um prazer insuportável, que não conseguia suportar a vida sem ela. Mesmo que quase sem palavras, ela era o seu melhor e único retiro. Ela pintava arco-íris no céu do quarto que ele gravava na memória com todo o cuidado. Sem dúvida, os seus corpos eram a metáfora perfeita do amor. Nenhum deles acreditava nisso mas nenhum deles negava aquele refúgio. Como se a alma tivesse sede de amor sem palavras e os corpos juntos fossem um poema que não sabiam escrever.


TR