segunda-feira, 9 de abril de 2012

O umbigo tomou o lugar do cérebro

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Como viver numa realidade onde tudo se descredibilizou e onde o mundo se transfigurou em mundinhos que se fizeram nichos, onde pessoas se comem umas às outras como refeições diárias de auto-estima pervertida; É estranho como os conceitos estão vazios, as interpretações adulteradas, os sentimentos fora do prazo e, no entanto, o mundo continua a acontecer, diariamente. Todos os dias como se nada fosse. Como se viver fosse isto. Criam-se relações em segundos, que são destruídas ainda mais rápido. Nada do que vale hoje tem significado amanhã. O ontem apaga-se com uma borracha, ou com a tecla delete. As palavras deixaram de ter valor, deixaram de se escrever a tentar construir o que quer que fosse, hoje são simples ‘máximas’ que se aplicam a tudo, desde que tenham menos que trinta palavras. A verdade caiu em descrédito e a mentira tornou-se necessária. Já ninguém se aguenta sem mentir a si próprio. Precisamos de mentir a nós mesmos para aguentar o mundo. E precisamos de acreditar nessas mentiras para conseguir viver. O caos instalou-se mas ninguém parece reparar. Chego a achar que as pessoas deixaram de pensar, mas , pelo contrário, cada vez se ouvem mais pensamentos saídos das mais variadas vozes. Toda a gente tem razão num mundo que perdeu a razão. É mais uma reviravolta copernicana na história do mundo. A razão esvaziou-se de verdade. Só serve para cultivar interesses individuais, de contexto e programáveis. A autenticidade perdeu-se a imitar-se a si própria. O pensamento morreu quando deixou de pensar para passar a imitar. E será que ninguém repara? Será que é assim tão complicado olhar em volta de vez em quando e ver para além do próprio reflexo? Há todo um mundo atrás de um nome, toda uma realidade individual que nos cerca. Mas, para além do eu, há um universo cheio de nomes, de identidades, de corpos, que pensam, que têm a própria objectiva e que tiram tantas fotografias como nós. Fotografias centradas em si. Onde as outras perspectivas são meras decorações de outras vidas que não têm interesse. Já nada prevalece. Apenas o eu ganha cada vez mais tamanho, cada vez mais espaço, cada vez mais tempo. Até que chega a hora do sufoco. Momentos, não passam de momentos. Onde o mundo desaba e ninguém sabe o que fazer consigo próprio, para onde ir. Qual é o caminho? Não há caminho. Só resta continuar em frente, erguer a cabeça e voltar a recolher auto-estima no eu que fotografa e se sente fotografado. Achar que é normal. Negligenciar a evidência de que algo está mal. E o problema é que pode não ser o mundo a dar a resposta. Pode não chegar por email. Talvez só se se começar a pensar e se sair da própria perspectiva. Perceber que o mundo já tem um sol, que brilha para todos. E que os holofotes são falsos. Talvez não passe tudo de um sonho e afinal nem existimos. Talvez isto seja só um parque de diversões, onde já não há que pensar, apenas experienciar cada vez mais, cada vez mais alto, cada vez mais forte. Recordar cada vez menos. Reflectir nunca. A necessidade de pensar perdeu-se quando o umbigo tomou o lugar do cérebro.

TR

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