sábado, 16 de janeiro de 2010

Capítulo X

(...)
- Já não tens por onde fugir.
- Não?!
- Não!
- Então porquê?
- Porque depois disto já nada voltará a ser o que era. Já nada no mundo vai significar o que significava antes, para ti.
- Então estás a querer dizer-me que isto não devia ter acontecido?
- Não, ou melhor, depende.
- Depende de quê?
- Gostavas da tua vida, ou eras feliz, plenamente feliz antes de estares aqui?
- Na maior parte do tempo sim.
- Na maior parte do tempo não quer dizer nada. Ou quer, mas não quer dizer que fosses feliz.
- Estás a querer dizer que não era feliz até te conhecer??
- Não. Estou a querer dizer-te que até me conheceres andavas mergulhada no 'mundinho', no 'mundinho' de todos os dias em que nada é susceptível de provocar emoção. A não ser dois copos de whisky engolidos em meia hora. E estou a querer dizer que o riso que soltaste desde que chegaste, a forma como ris, como andas, como falas, a cor dos teus olhos, o brilho, a forma como agarram as coisas... tudo transparece felicidade. E é pura, não tem químicos nem aditivos. Respiras com vontade e deixas-te sentir pelo mundo. É isto que quero dizer.
- Então....andava adormecida, é isso?
- Não. Apenas andavas esquecida e em ruas erradas.
- E o que tu estás a querer dizer realmente é que agora que já não tenho por onde fugir, agora que já nada vai ser como antes... eu vou ter que voltar a enfrentar o 'mundinho'... depois de ter vivido tudo isto....como é que vou conseguir?
- Esse não é o problema. O problema é não te deixares afundar nele. Se conseguires isso consegues sentir-te como se estivesses aqui todos os dias. E mais tarde ou mais cedo sabes que vais voltar, sabes perfeitamente que não vais aguentar muito tempo longe disto.
- Longe disto ou longe de ti?
- Longe disto. Porque de mim não tens que ter medo de ficar longe, a tua memória tira-te facilmente o medo se ele quiser chegar. Eu já estou para sempre no livro da tua vida e escrevi-lhe o melhor capítulo.
(...)

Um comentário:

  1. "... na verdade, esta moldura é a minha prisão... de tão perfeitos traços me retrataste que me sinto afogada neles como se eles fossem a minha própria alma, o cerne do amor que nos inundava enquanto a vida me era dada para viver... lembras-te, meu amor, de todas aquelas cartas que te escrevi enquanto presa dentro de outras grades, linhas estreitas que me afastavam de ti ou que te afastaram de mim... nunca soube o porquê e essa dúvida, que ainda hoje, aqui de cima mantenho, será a minha companhia na eternidade... é ela também que me concede a possibilidade de te ver aí olhando-me aqui nesta parede nua, dentro de mim mesma vazia e tão prenhe de linhas com que me vestiste naquela manhã na cozinha no banco sentada, rindo-me da tua certeza... meu amor, a paz que me preenche não retira a dor que mantive e que comigo trouxe; a paz que me preenche é uma paz por amor a ti mas a dor essa jamais sairá de mim; é um pouco como eu nestes riscos presente na tua mente quando daí em baixo me olhas... resta-me a doçura da lágrima que vejo cair da tua face nesse chão carcomido pelo tempo que não nos foi concedido... dor de mim em teu peito também ele dorido..."

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